VLOG

Ato I - O despertar.


Eu queria falar de amor, mas você tirou isso de mim. Já nem sei mais pronunciar essa palavra, há muito se extinguiu de meu vocabulário. Talvez seja por um curto período, mas não acredito nisso, essa era minha última chance de tentar descobrir o grande significado dessa palavra.

Tarde chuvosa, você esperava pelo ônibus das 17h45 enquanto eu estava quase chegando ao ponto. Sentei ao seu lado, você olhou pra mim com o canto do olho, provavelmente para ver se não era nenhum bandido ou algo do gênero. Não retribuí seu olhar, pois nunca gostei de puxar conversa com pessoas desconhecidas, mesmo sua beleza chamando mais atenção que um pote de ouro. Ficamos ali, em um silêncio profundo, quase não passavam carros, então o silêncio era matador.

Às 18h11 o ônibus chegou, levou mais tempo por conta da chuva forte que veio para diminuir um pouco a população causando enchentes em diversos pontos da cidade. Você sentou-se no meio do ônibus enquanto preferi ir para o fundo. Peguei meu celular e tentava responder um maldito e-mail onde me cobravam um orçamento, você parecia também ver algo em seu celular ou estava lendo algum livro, não sei ao certo. De vez em quando te pegava olhando para o fundo, mas não consegui definir se olhava para qualquer um ou para mim.

Me levantei, o próximo ponto era o meu, você continuou sentada. O ônibus parou, desci e vi que você deu uma última olhada para trás, pensei que fosse descer mas não esboçou nenhum movimento. Comecei a seguir a calçada em direção da porta da frente do ônibus e ouvi um "psiu", você atirou pela janela um cartão e o ônibus partiu. Era um cartão de um salão de beleza, atrás estava um nome e telefone. Guardei o cartão no bolso antes que a chuva acabasse com ele.

Te liguei na manhã seguinte, era um sábado, te convidei para tomar um café para nos conhecermos. Você estava sorridente e vestida de uma maneira muito mais bacana do que aquela roupa social que te deixava com um ar de muita seriedade. Você me contou que era advogada, falou sobre seus gostos e disse que era divorciada. Falou muito de sua única filha e de sua dedicação. Me disse que gosta muito de gatos e animais em geral, mas que em seu apartamento tinha apenas uma gata castrada. Comentou que eu tinha um semblante muito sério e que tinha me achado bonito quando sentei ao seu lado no ponto de ônibus, mas por conta disso, não puxou papo com medo de ser ignorada. Me contou que pensou em ir para o meu lado em diversos momentos em que olhou para a parte de trás do ônibus e desistia toda vez que eu notava que estava olhando. Demos risadas disso.

Contei o porquê de meu semblante ser assim, mas que no fundo era apenas uma pessoa amargurada e que preferia não conhecer novas pessoas. Evito a todo custo conversar com desconhecidos na rua, principalmente se posso correr o risco de me apaixonar. Você esboçou um leve sorriso de canto de boca, como se aquilo a tivesse decepcionado. Pensei em reverter a sensação que causei, mas achei melhor deixar assim. Prosseguimos o papo falando de nossos trabalhos, gosto por filmes, música, etc... Nos despedimos e deixamos claro a intenção de nos vermos novamente.

2 comentários:

  1. Adorei. Ainda mais pelas minhas gargalhadas em alguns momentos no texto, mas enfim... Amei, amei a coragem da "personagem", coragem que sempre invejei, confesso que queria ter sido e ser "sem vergonha" como ela, e como algumas pessoas do meu mundo real, porém acabo escondendo esse lado com livros e algumas linhas de costura.

    Por mais que tenha lembrado de poucas coisas da minha vida nesse texto, ele me mostrou o quanto eu perdi sem me jogar de cabeça. Isso só me mostrou o meu maior defeito como ser humano...

    Amei, como tudo o que faz, escreve. Espero ansiosamente pelo Ato II ! E dessa vez admito fiquei perdidamente enamorada pela advogada do teu texto, acho que todo mundo devia ter um pouco dela em si.

    Beijos.

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  2. Ah, não existem muitas garotas/mulheres que são como ela, no máximo lançariam um olhar e aguardariam alguma atitude do cara. Mas sempre tive em mente que o transporte coletivo não é o melhor lugar para certas interpretações. rs

    Nunca pare pra pensar no que perdeu, pense sempre no que ganhou ou poderá ganhar. O que passou, passou. rs

    Esse texto seria apenas mais um lançado sem continuação, não sei por que meu subconsciente insistiu em dividir novamente em atos. Não faço nem ideia de como se desenrolará o segundo, mas vamos aguardar. rs

    Beijão

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